O Senhor Jesus inaugurou uma era em que o local não possui mais nenhuma importância para a adoração. A mulher samaritana que conversou com Jesus, junto ao Poço de Jacó (João 4.5-26), tinha uma grande e sincera dúvida, exatamente sobre o local “certo” para se adorar. Aquela mulher sabia que Salomão havia construído um templo em Jerusalém para adoração ao Deus de Israel, e que este templo foi construído sob a permissão de Deus, antes negada ao seu pai – Davi. Os samaritanos eram Israelitas (do reino do Norte) e, desde os tempos de Roboão (filho de Salomão), estavam separados de Judá (o reino do sul). Eles desenvolveram seus próprios sacerdotes e adotaram o monte Gerizim como “local certo” para adoração, pois consideravam, em suas próprias escrituras, que fora ali (e não no monte Ebal) que Moisés ordenara a construção de um altar (Dt. 27.4-6). Esta dúvida angustiava os samaritanos que eram sinceros adoradores do Senhor: onde devemos adorar ao Senhor? Será que é somente no templo de Jerusalém – como dizem os judeus – que Adonai aceita adoração? Ou será que ele aceita somente a adoração que for feita no Monte Gerizim?
A resposta do Senhor Jesus para a samaritana foi estonteante:
“Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte nem em Jerusalém... No entanto, está chegando a hora, e de fato, já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura.” (João 4.21, 23-24. NVI).
Ali estava o próprio Senhor – a quem adoramos – esclarecendo que, a partir daquele momento, estava iniciada uma era em que a adoração tinha que ser “em espírito e em verdade”, ou seja, independente de “lugar sagrado”. O paradigma (o modelo) da adoração mudou desde então. A adoração agora tem que ser feita no íntimo da alma humana (em espírito) e tem que ser sincera (em verdade). E Jesus enfatizou ainda que agora este é o padrão que é aceito por Deus: “São estes os adoradores que o Pai procura.” Isto é muito forte! Deus-Pai está à procura de pessoas que o adorem assim, independente de lugar sagrado, no íntimo de sua alma, e de forma sincera. Mais à frente, Paulo, o apóstolo, afirmou inspirado por Jesus (e em completa harmonia com seu ensino) que o nosso próprio corpo é o templo do Espírito Santo. “Não sabeis vós que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1 Cor. 3.16). Nós, cristãos, portanto, não precisamos de edifícios-templos para podermos adorar a Deus, pois Ele habita em nossos corpos.
É possível adorar sinceramente ao Senhor fora de um templo? Sim, é possível. Na verdade, foi exatamente isto o que o Senhor ensinou; tanto faz adorar a Deus num templo quanto em qualquer outro lugar. O que importa para Deus hoje é a vida espiritual da pessoa e sua sinceridade de coração. É possível adorar sinceramente ao Senhor, mesmo estando dentro de um templo? Sim, também é possível. Certamente há pessoas hoje adorando sinceramente a Deus dentro dos edifícios das igrejas evangélicas e até católicas.
O primeiro problema em se ter edifícios-templos na Era da Graça (depois de Cristo), portanto, é que eles representam gastos em coisas supérfluas. Construir santuários para neles adorar a Deus, segundo nosso Senhor Jesus, é desnecessário. Deus não se importa mais com isto. Investir dinheiro na construção de edifícios-templo hoje em dia é gastar em algo que “não é pão”, e isto é falta de sabedoria. Mais profundamente ligado a isto está o fato de que, desde aquele dia em que Jesus conversou com a samaritana, o único lugar sagrado do mundo inteiro é o nosso corpo. Construir um “lugar sagrado” é, então, incoerente com o ensino do Senhor Jesus. Significa insistir teimosamente em algo que o próprio Senhor declarou ultrapassado. E isto porventura não é descrer nele?
O segundo problema em se ter um edifício-templo é que sua arquitetura expressa e influencia o caráter das pessoas que nele se reúnem. Por meio do seu exterior e interior ele mostra explicitamente o que aquela congregação que ali se reúne é, e como funciona. Leonard Sweet, ao citar Henry Lefebvre, diz: “O espaço nunca está vazio; sempre encarna um significado.” Quando cursei a cadeira de Introdução à Arquitetura, no curso de Engenharia Civil, soube que existe um cânone (um princípio) da Arquitetura que diz: “O formato determina a função”. O formato de um edifício reflete sua função particular. Pensar que o local onde uma igreja se reúne é uma simples questão de conveniência é um erro trágico. Quando os arquitetos são contratados (pelos clérigos) para projetar um templo, eles não projetam um lugar comum, mas um “lugar sagrado”, desprezando assim o ensino do Senhor, de que não há mais lugares sagrados a não ser os corações dos seres humanos. E o projetam de modo que o espaço não só propicie, mas direcione o que acontecerá ali.
O local de reunião de uma igreja se reúne nos diz de forma muito clara como ela se reúne – o que ela faz ali. E a forma como ela se reúne expressa por sua vez como aquela igreja entende ser o propósito de Deus para o seu corpo, no que concerne ao modo de se reunir. Por trás de cada uma de nossas ações está uma crença. Os edifícios-templos não refletem simplesmente uma conveniência. Eles refletem uma crença. Não há neutralidade nisto. Os templos possuem, por exemplo, tetos altos para transmitir a idéiaReflita sinceramente e veja como é difícil um membro da igreja ser visto ou ouvido do banco onde está sentado. Os templos são projetados para serem palcos dos clérigos (pastores, presbíteros, diáconos e músicos) e para tornarem os demais membros da igreja passivos. O que fica em posições mais altas dentro de um santuário exalta o que aquela comunidade considera (crê) ser mais importante – o púlpito, por exemplo. Sua fachada, seus fundos, e todos os seus outros elementos também expressam isto (luminosidade, cores, sonoridade etc.). Se refletirmos nestas questões, compreenderemos exatamente porque as modernas igrejas possuem os templos que tem. O consenso geral entre os cristãos membros de igrejas que se reúnem em edifícios é que “a igreja é um lugar sagrado, separado para o culto”. Os templos, em forma de auditórios, transformam as comunidades em ouvintes e os pastores (ou padres) no centro das atenções. Constantino ainda vive e respira nas mentes da maioria dos cristãos de nossos dias.
Além disso, o edifício da igreja é projetado com base na idéia estúpida de que o culto é algo qualitativamente diferente das coisas que fazemos nos demais momentos de nossa vida cotidiana – um pensamento típico da cristandade ocidental. O edifício-templo contribui para a dicotomia sagrado x profano – um grave erro teológico promovido desde o imperador Constantino no quarto século. As Escrituras Sagradas nos ensinam que, uma vez transformados em filhos de Deus, não pode haver mais nada profano em nossas vidas. “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus.” (1 Cor. 10.31. grifo nosso). No interior de um templo, nossos cinco sentidos interagem com o espaço para produzir um estado peculiar de alma; um estado místico e transcendente que visa um escape à vida normal. Como é apenas um estado, passa quando o indivíduo sai dali. Este é um efeito devastador para o Cristianismo: a vida cristã dos freqüentadores de edifícios-templos nos outros seis dias da semana não reflete a presença de Deus, porque aquele estado de espírito só existe ali dentro do templo, no domingo. É um estado muito emocional, passageiro, e não reflete o relacionamento de uma pessoa com Deus. A segunda-feira de manhã vem colocar nosso culto dominical à prova.
O local de reunião de uma igreja exerce um papel crucial em sua vida. Dependendo como é este local, ele pode tanto sufocar as vidas espirituais dos membros da igreja, quanto lhes ensinar boas lições.
O terceiro problema de se ter edifícios-templo é mais simples de se perceber, porém não menos nocivo do que os outros dois anteriores. O edifício exige dinheiro. O edifício precisa ser mantido e o dinheiro passa a ser obrigatório, não mais voluntário, para os membros de uma comunidade cristã que o possui. O edifício passa a ser sufocante para as finanças dos membros da igreja. Para isto foi resgatado do Velho testamento o dízimo, como uma espécie de imposto espiritual (sobre o qual falaremos com mais detalhes em outra oportunidade). Repare que, sem templo, haveria necessidade de muito menos dinheiro para a obra de Deus. Sem templo, as ofertas financeiras dos irmãos poderiam ser canalizadas para a evangelização (sustento de evangelistas itinerantes – missionários) e para o cuidado dos necessitados. Como já vimos que o edifício eclesiástico é desnecessário, pode-se agora dizer que demanda um grande desperdício de dinheiro.
Além do mais, os templos causam muitas brigas entre irmãos quando precisam de uma reforma. Há pessoas que se ligam tanto na sacralidade arquitetônica do templo que se atritam com outros irmãos quando não concordam com as reformas propostas. Isto já foi motivo de divisões e separação de comunidades cristãs. Este é o quarto problema. E ainda há um quinto problema: muitas construções e reformas de edifícios-templos, no Brasil e em outros países subdesenvolvidos, são feitas sem a responsabilidade técnica de um profissional de Engenharia. Isto é ilegal e mortalmente perigoso. Já houve diversos casos de desabamentos de edifícios de igrejas, alguns divulgados pela imprensa.
Não apenas um, mas cinco problemas.
Quando as comunidades cristãs se reúnem nos lares, esses problemas são significativamente minimizados. Nos lares, o evangelho se mistura com a vida, sendo pregado e estudado exatamente onde se vive – no lar – ajudando a quebrar a idéia de “lugar sagrado” para a adoração. O lar como lugar de reunião não imprime emoções especiais. Pelo contrário, expressa e promove a idéia de que devemos viver o Cristianismo em qualquer lugar e a qualquer momento – a começar de casa. A casa como lugar de adoração promove o conceito de que tudo o que fazemos deve ser feito para a glória de Deus, em harmonia com o que o Novo Testamento ensina. A arquitetura dos lares é feita para promover aconchego e valorização da pessoa humana. Ao invés de inibir a participação das pessoas, a incentiva. A arquitetura dos lares também tira do clérigo a centralidade das atenções e inibe a separação do povo de Deus em “clero” e “leigos”. A casa não precisa de dinheiro dos membros da igreja (estes podem até ajudar voluntariamente o dono da casa a mantê-la, mas não são obrigados a isto). Não havendo templo, não haverá brigas nem divisões por causa de obras e reformas.
É preciso ressaltar que o simples fato de uma comunidade se reunir em lares (casas ou apartamentos) não garante que ela esteja adorando ao Senhor “em espírito e em verdade”. Existem comunidades que simplesmente saíram do templo, mas o templo não saiu deles. Mudaram apenas de lugar. Continuaram a agir como se estivessem num “lugar sagrado”, reproduzindo nos lares os rituais que se praticam nos templos, inclusive coleta de dízimos. Isto é tolice. Seria melhor que tais comunidades tivessem ficado nos templos. O mais importante, repita-se, é adorar no íntimo do coração e com sinceridade. O lar em si não tem nenhuma relevância na adoração, assim como não tem o edifício-templo. O lar é neutro. Ele apenas minimiza uma série de problemas que um templo causa.
O edifício-templo, entretanto, não é neutro; é prejudicial. Em suma, construir e manter edifícios-templos (mesmo aqueles que não possuem a forma típica de catedrais) prejudica a igreja cristã porque incute na mente dos cristãos o pensamento de que ainda existem hoje “lugares sagrados” além do coração humano – desprezando o que ensinou o próprio Senhor. Porque a arquitetura dos templos inibe a participação dos membros na igreja e exalta a participação dos clérigos – promovendo a separação do povo de Deus em clérigos e leigos. Porque a realização de cultos sempre no mesmo lugar (“sagrado”) induz e promove a dicotomia “sagrado x profano”. Porque sufoca a vida financeira dos membros da igreja, pois os edifícios precisam de manutenção constante. Porque se tornam, às vezes, motivo de brigas e divisões entre irmãos. E porque os edifícios-templo dão oportunidade às igrejas (nos países subdesenvolvidos) de darem um mau testemunho ao mundo quando constroem ou reformam seus edifícios sem a responsabilidade de um profissional de Engenharia, e assim arriscam a vida de seus próprios membros, expondo-os ao perigo de desabamentos.